Sinceridade E Fidelidade ao Punk Rock
Fernando Souza Filho
Algumas bandas transbordam sinceridade tanto em sua música quanto nas entrevistas. É o caso do Bad Religion, que sempre joga aberto com a imprensa e com os fãs, tornando-se uma das bandas mais respeitadas e queridas do cenário californiano. O álburn novo do conjunto,Tested, reforça essa impressão com gravações ao vivo empolgantes. Brian Baker (guitarra), Greg Graffin (vocal), Jay Bentley (baixo), Greg Hetson (guitarra) e Bobby Schayer (bateria) continuam colhendo o fruto de sua honestidade rnusical, pois Tested tem recebido ótimas críticas pelo mundo afora.
Depois de um papo telefônico com Brian Baker, fica fácil entender o sucesso do Bad Religion. Bom humor e sinceridade nas respostas são a tônica do papo, que já comerça girando em torno da escolha das faixas do álbum ao vivo. "O processo da escolha das músicas que entrariam no álbum foi simples: colocamos aquelas em que erramos menos [risos]! Não, eu não estou brincando! O caso é que nós não fazemos 'overdubs' [colagens de estúdio para encobrir erros de uma gravação feita ao vivo], por isso, precisávamos escolher com calma as faixas. Além disso. elas precisariam ter a energia do show ao vivo, afinal, somos uma banda punk rock", diz ele.
Evidentemente, isso também facilitou a captura da energia que o Bad Religion esbanja em seus shows, embora pequenos problemas sempre apareçam. "Algumas vezes aconteciam coisas divertidas, como eu começar a tocar o riff de uma música, enquanto Greg [Hetson] estava tocando outra [risos]! Logicamente, isso não iria soar bem num disco, por isso, precisamos eliminar as músicas em que ocorreram coisas assim."
E não foi só nisso que o Bad Religion fez o contrário da maioria das bandas. Os músicos simplesmente nem se preocuparam em colocar seus maiores hits no CD. "Aconteceu exatamente o contrário, pois a maioria das músicas que faz sucesso nos EUA nós acabamos deixando fora do disco", explica Brian. "Algumas a gente não tocava muito, outras estavam cheias de problemas e não dava para usar. Sempre havia alguma coisa atrapalhando. Além disso tudo, nós sempre trocamos o 'set list' de um show para outro, não gostamos de ficar repetindo as mesmas músicas todas as noites. Por isso, não teríamos como escolher as músicas de maior sucesso. Escolhemos as que deram menos errado", completa, caindo na gargalhada.
E tem mais: Tested não estavanem nos planos do conjunto, que optou por lançá-lo após ouvir alguns tapes de shows que ficaram legais. "A maioria dos discos ao vivo é feita em urn dia específico, com microfones especiais para registrar o público gritando e coisas desse tipo. O nosso não. Levamos dois bons gravadores pra registrar todos os shows de nossa última turnê. Gravamos todas as músicas de todos os shows. Ligávamos os gravadores diretamente na mesa de sorn e depois ouvíamos para ver corno tinha sido nossa performance", lernbra ele. "De fato, quando começamos a fazer isso, nem estávamos planejando usar o material em um CD ao vivo. A verdade é que conseguimos esses gravadores por um preço muito baixo e queríamos usá-los para alguma coisa [risos]. Como vimos que ficou legal, resolvemos fazer o disco ao vivo. A gravadora nem queria que lan lançássemos um álbum 'live' agora, rnas nós insistirnos rnuito para que isso acontecesse, afinal, havia muitos discos piratas nossos rolando por aí e a qualidade era péssima. Queríarmos ter nosso álbum ao vivo oficial."
Aparentemente, isso eliminaria um problerna que qualquer banda de sucesso sofre: os discos piratas, que sempre trazem gravações sofríveis de shows. Só aparentemente, pois o Bad Religion não tem esse tipo de problema. "Não temos nada contra os pilateadores. Todo mundo tem direito de ter urn gravador para registrar o show de uma banda que curte. Além disso. não creio que os CDs piratas afetem as vendas dos álbums oficiais, pois quem compra urn 'bootleg' é porque já é fã da banda e provavelmente já tem todos os discos oficiais possíveis. Acho idiotice querer prender os pirateadores, não adianta nada. Prefiro fazer um disco ao vivo de boa qualidade e concorrer diretamente com os piratas mal gravados", explica o guitarrista. Por causa disso tudo, Tested é um disco para os fãs, principalmente os mais antigos. "Esse álbum é para a galera que conhece e gosta do Bad Religion. Não pretendemos conseguir novos fãs com ele", afirma.
E para quem acha que fazer um disco ao vivo é mais fácil, Brian Baker garante que é exatamente o contrário, afinal, a própria banda produziu o CD. "É bem mais difícil produzir um trabalho ao vivo, pois você não pode ficar arrumando os defeitos de gravação, não dá pra regravar uma música que não saiu boa. No estúdio, você volta para os instrumentos e toca até sair legal. Numa gravação ao vivo, você precisa trabalhar em cima de algo que já está pronto", esclarece.
Como o papo corre de forma franca, Brian topa falar sobre dois assuntos relativamente polêmicos, que muitos artistas do estilo geralmente procuram evitar nas entrevistas: a badalação do cenário punk rock californiano e a volta dos Sex Pistols.
Assumindo com orgulho o rótulo "banda punk rock", Brian rejeita veementemente o 'hype' da Califórnia. "É coisa da mídia. Nunca se justificou essa badalação em torno do punk rock californiano, pois foi uma coisa criada pela própria mídia. O Bad Religion existe há 18 anos e viu muitas modas aparecerem e sumirem na mesma velocidade. Passamos por muitas coisas e sempre estivemos lançando nossos discos e fazendo nossas tours. Isso não nos afeta, não damos a mínima para essa badalação toda em torno da cena punk rock da Califórnia", diz, quase perdendo o característico bom humor.
Quanto aos Pistols, Brian vai mais longe: "A única coisa boa sobre a volta dos Sex Pistols é que eles foram honestos e, desde o primeiro dia, admitiram que só estavam voltando por causa do dinheiro. Achei tudo aquilo ridículo", diz, sem papas na língua. "Fizemos vários shows com o Sex Pistols em 96 e chegamos a uma conclusão: a banda só participou de grandes festivais, em estádios, colocando vários outros grupos para tocar no mesmo palco. Se eles fizessem aqueles shows sozinhos, teriam sido um fracasso. Ninguém iria vê-los.
Quando eu tinha 15 anos de idade, eles foram importantes para mim. Hoje, tenho 32 e não dou a mínima para o que eles se tornaram após todos esses anos."
E tudo isso o Bad Religion fala com propriedade, pois o grupo fez uma tour em 96 justamente ao lado dos Pistols. O giro passou pelo Brasil no Close Up Planet, em novembro daquele ano. Brian lembra bem de sua passagem pelo país. "A viagem foi maravilhosa. Eu não gosto do Sex Pistols, mas adorei o Brasil. Ficamos só trés ou quatro dias no país, mas gostamos muito de tudo. Planejamos voltar aí em 98, para fazer uma turnê maior, assim que o próximo disco estiver pronto."